com Tatiana Cardoso
tatiana cardoso, a tati, nasceu na enseada da baleia, comunidade localizada no parque estadual da ilha do cardoso, divisa de são paulo e paraná. desde cedo interessou-se pelas atividades artísticas e pela luta caiçara. há uma década, junto com outras mulheres da enseada, inventou a MAE (mulheres artesãs da enseada), grupo que produz artesanato a partir das linhas de pesca. na última década, tati divulgou o trabalho das artesãs, assim como amplificou em vários cantos do país a resistência da comunidade após o processo de erosão que culminou, em 2017, com o fim da hoje chamada antiga enseada.
ao ver sua comunidade ameaçada de expulsão do parque, foi uma incansável guerreira. agora, na nova enseada, no rancho da canoa, lugar que inventou para experimentar a culinária, receber amizades, conversar sobre as lutas, acompanhar os voos dos guarás, ela conversou, sempre sorrindo e generosa, com a mataviva.
aproveitem!
ao ver sua comunidade ameaçada de expulsão do parque, foi uma incansável guerreira. agora, na nova enseada, no rancho da canoa, lugar que inventou para experimentar a culinária, receber amizades, conversar sobre as lutas, acompanhar os voos dos guarás, ela conversou, sempre sorrindo e generosa, com a mataviva.
aproveitem!

mataviva você é artista, gosta de pintar. o que você gosta de pintar e qual tipo de material você usa?
Tatiana Cardoso Eu pinto desde criança. Meu pai pinta muito bem. A Vivi, minha prima, também. Isso é da cultura caiçara. A mudança de lugar aflorou ainda mais a pintura para mim. Andando pela praia, eu comecei a ver as madeiras das embarcações. Aqui na Enseada tem um grupo de mulheres que trabalha com as redes de pesca. Mas eu nunca me encontrei nesse trabalho com as redes porque não dava para pintar. Fui então bordando, fazendo outras coisas, mas ainda assim não era o que eu gostava. Comecei a coletar as madeiras e pedi para o meu irmão Jorginho me ensinar a mexer na lixadeira. Com isso fui dando outra aparência para as madeiras, peças de barco artesanal, remos, que eu encontrava na areia. São pedaços de madeiras muito boas, nobres, com uma história que não dá para desperdiçar. Comecei a coletar, a lixar e a pintar algo sobre o trabalho da pesca, o uso dessa matéria. Agora estou numa fase de pintar mulheres. Porque muitas vezes nesse universo da pesca as mulheres ficaram invisíveis.
mv nas suas
pinturas acontece também um trabalho sobre a memória. algumas pinturas suas são
de casas que hoje não existem mais, estão em baixo da água, foram arrastadas. o
quadro da sua casa antiga, por exemplo.
tc Eu fui lá na antiga Enseada e achei uma janela de barco de peroba. A casa que
eu morei já estava se dissolvendo, caindo. Precisava guardar um pedaço da casa
para deixar ela presente em algum lugar. Pintei a casa antiga para deixar na
casa nova. Tem muita coisa de memória, muita coisa que me marcou. Ainda tem
muita coisa para desenhar. A Nayara, que é pequeninha aqui da Enseada, tem o
dom de pintar. Ela também tem uma memória muito forte, ela é muito inteligente.
A mãe dela, a Vivi, pinta super bem.
mv fazer os
barcos, a construção deles também envolve arte, né?
tc Às vezes os barcos trazem o desenho neles.
Aquela peça [Tatiana mostra um quadro na parede] era um barco que eu mantinha
aqui no Rancho da Canoa. Quando eu
lixei a madeira, achei que ele por si só já trazia as suas próprias pinturas da
vida. Eu lixava e ficava encantada porquê todas aquelas pinturas já haviam sido
feitas pelos pescadores no passado. Conforme eu lixava ia aparecendo os tons da
natureza que nós vemos aqui. Esse não precisa de nenhuma pintura [risos].
Quando desenho pessoas eu gosto de desenhar o rosto mas não gosto de desenhar
os olhos. Eu queria que os olhos ficassem mais na imaginação de quem está
vendo. Eu usei muito essas pinturas de rosto sem os olhos em um trabalho que
participei junto a um quilombo. Esse trabalho era para mostrar as atividades do
grupo, como as pessoas que realizavam o trabalho se sentiam, mas sem valorizar
o semblante da pessoa. Uma agricultora roçando, outra com a mandioca, outra no
processo da farinha e todas elas sem rosto para podermos imaginar.

mv o
trabalho coletivo, a convivência, também é uma forma de arte?
tc Acho que é uma forma de arte, um refinamento
do olhar. Se estamos numa roda e sentimos que uma pessoa quer falar mas fica em
silêncio buscamos uma forma de ela se colocar. Ou mesmo no trabalho, se uma
pessoa não está tão feliz buscamos uma abertura para ela realizar outro
trabalho. É um processo que temos que olhar de um jeito diferente. Isso é muito
próximo da arte, quando a gente imagina e tenta aplicar ou como sentir o outro.
Quando a gente fala do grupo de mulheres, que são doze anos trabalhando em
família, não é fácil. Não é só um trabalho, é amor. O cuidado é maior. Essa
relação entre as pessoas modifica todo o trabalho que a gente faz. E a cada ano
vai se ampliando esse trabalho. Não ampliando como igual a aumentar. A produção
de artesanato não está em grande escala porquê não faz sentido pra gente. Temos
recebido mais escolas procura para visitar a comunidade, mas sem deixar isso
atrapalhar as nossas atividades tradicionais. Dialogamos sempre, em cada
pedacinho, com cada mulher, com cada pessoa do grupo. Queremos continuar com
esse refinamento. Se trabalharmos em grande escala ou num fluxo maior, isso vai
acabar se perdendo.
mv parece
que esse caminho, a preocupação em não aumentar a produção e perder o
refinamento é bem próprio daqui. isso não acontece em todas as comunidades
próximas.
tc Todas as frentes de trabalho coletivo que a gente desenvolve poderiam tomar uma proporção muito grande. O artesanato, se nos dedicássemos a isso, tem espaço para escoar. Conseguiríamos ter uma produção e viver dela. Mas isso não faz sentido, atrapalharia outras atividades nossas. Não faz sentido só produzir e não viver, né? Viver o dia a dia, o lugar. A gente sempre conversa, inclusive com as crianças que estão crescendo, com os agregados que casam com os moradores e entram nesse ritmo, sobre o que é importante pra gente. O caiçara tem muito disso, não de acumular, mas sim de viver. Por isso o caiçara foi tão sofrido e demorou tanto para se reconhecer como caiçara. Caiçara no dicionário era vagabundo, preguiçoso. No dicionário! Foi uma luta para mudar o dicionário justamente porquê o caiçara está lá olhando o mar, o cardume. Se tem comida na mesa, não precisa mais. E volta para o mar... Essa harmonia do povo, do caiçara com a natureza, não é capitalista. Quem vem de fora não reconhece isso. Acha que é preguiça. O caiçara tinha vergonha de falar que era caiçara. O pescador, quando chega a safra da tainha, ele primeiro oferece o peixe e só vende o que sobra. A tainha do cerco é assim. “Pegue uma fulano... Pegue outra...”. Ele distribui. Existe essa crença de que distribuir vai ajudar as pescas dos próximos anos. Todo mundo tem esse hábito da distribuição do peixe. Até no porto de Cananéia, se você estiver lá e um caiçara chegar com um barco cheio de peixe, ele oferece. Mesmo que isso onere a produção dele.
mv quais
plantas, bichos, são seus companheiros aqui?
tc Os cachorros são nossos protetores. Estão
sempre do ladinho, parceiros, tudo que a gente faz eles acompanham. Mas tem os
bichos daqui, os pássaros. Todo dia, se alguém vai tomar um café coloca uma frutinha
e vai vendo eles se encherem. Não é um café da manhã qualquer, é um café cheio
de cores e tonalidades. Sobre as plantas, eu sou muito apegada às plantas
nativas, ao araçá principalmente, à camarinha... São frutas que a gente tem
desde criança. Na época do araçá, quase agora, a gente sai mais pro mato para
colher a fruta, vai mais gente junto. “Sair pro campo”, como a gente chama, é
essa saída para procurar os pontos de araçá. Alem das bromélias que embelezam a
restinga, as frutas nativas trazem essa memória de criança. Na Enseada Nova a
gente está se encontrando ainda, mas na Antiga Enseada a gente sabia onde
estava cada araçá bom. A época do araçá é uma época que a gente sai. É uma fase
bem gostosa, no verão agora, das crianças e a gente sair mais.


mv jorge
comentou sobre uma pitangueira que não estava dando frutos porquê o mato estava
muito fechado, mas com as podas, com os cuidados, ela voltou com tudo.
tc Quando a gente mudou, não víamos pássaros.
Isso incomodava. Porquê lá tínhamos muito, os tiês... Conforme as casas foram
ficando prontas, as flores saindo, começou a encher de pássaros. Tem a ver com
essa relação também. Eu ouvi caiçara falando que quando proibiram as roças
muitos bichos morreram. A roça não era alimento só pra gente. Uma partinha dela
era dos bichos. Sem a roça os bichos perderam uma parte dos alimentos que eles
precisavam. Essa relação do caiçara com a natureza é uma relação de cuidado
permanente. Eu sinto que é uma coisa só. Seja o quilombola, o indígena, o
caiçara, a gente é tão próximo da natureza que é um corpo só. A gente busca
essa harmonia.
mv temos visto aqui o tiê-sangue diariamente...
tc E varias outras espécies. O
sairinha-sete-cores, que é maravilhoso. Tem tons de pássaro que eu nunca tinha
visto. O guará que é muito lindo. E a gente sabe a hora que o guará passa, de
manhã, e a hora que ele volta, final da tarde, pro ninhal. É só ir no porto que
você vai ver.
mv o que
você tem plantado?
tc Eu tenho almeirão, cheiro verde, manjericão e
orégano que uso na pizza, o que uso no dia a dia, tomate, pimentão. E estou
plantando flores agora.
mv o que você tem colhido?
tc Tenho colhido hortaliças. As plantas ajudaram
muito durante a pandemia. Não somente pelo cuidado, mas também por oferecer os
alimentos que nos mantiveram aqui dentro, sem precisar trazer tanta coisa de
fora. E eu gosto muito de chá, então eu tenho as folhas. A tia Nica plantou e
colheu tanta batata doce e abóbora! Abóbora acho que foram umas cinquenta, era
terra que brotava. Isso não tínhamos na Antiga Enseada, porque era muita areia.
Aqui a terra é melhor. Eu não consigo plantar tudo porque essa área minha aqui
ainda é baixa, e a maré, quando enche, a água vem. Tenho que plantar tudo
suspenso. Mas a Nica... A tia Cimara... Plantar tem ajudado muito a tia Cimara.
A Vivi planta muito também. Minha mãe é da roça, padrinho Antônio Mario também.
Eles são da agricultura. A família do meu pai era da pesca, mas a da minha mãe
era da agricultura. Minha mãe tem uma relação forte com a terra e ela planta
tudo. Tudo que ela ganha, gasta em mudas. Todos os presentes que ela pede são
mudas. A minha sobrinha Sofia tem se interessado por plantar também. A gente
ganhou um livro de uma amiga, a Jana, sobre PANCs [Plantas Alimentícias Não Convencionais], e temos testado. Sofia vive
provando as folhas...

mv como foi
a ida à universidade e como essa experiência auxiliou na luta da comunidade?
tc A maioria da comunidade estudou até a quarta
série. Para uma mulher caiçara, estava muito longe a questão da universidade.
Era um ideal, um sonho. A gente achava que ia estudar só se casasse com alguém
que tivesse condições. Nunca imaginamos. Essa luta da esquerda, dos movimentos
sociais, abriu as portas. Hoje, dentro do movimento social, você vê um indígena
falando várias línguas, estudando, fazendo mestrado, doutorado. Isso nos
motiva. Para a geração mais antiga, a educação ainda está muito longe. Era mais
um sonho deles, dos pais, “quero que meus filhos estudem”. Muito do que
conseguimos aqui na Enseada foi graças aos projetos que criamos. Jorginho se
formou em Engenharia Ambiental, a gente nem sabia na época, mas hoje é a área
que estuda o que estamos passando, a realocação. Joyce se formou em
Administração e com isso dá apoio à associação de base. É muito difícil para
uma associação de base conseguir administrar os projetos, por exemplo, sem um
apoio técnico. E a minha formação em Ciências Sociais traz um olhar para
pesquisar até mesmo aquilo que a gente vivia mas não reconhecia, e ainda ajuda
como pensar a comunicação, os conflitos na comunidade. Hoje, muitos jovens da
Ilha do Cardoso estão estudando, no Pontal de Leste, no Marujá. Essa busca por
estudar e retornar para apoiar a comunidade tem aumentado.
mv qual a
importância da dona ercy, sua avó, para a luta das mulheres hoje na nova
enseada?
tc Quando o vô faleceu... A vó era quem cuidava
do alimento, da cozinha, da casa. A gente não tinha a vó falando ativamente com
as pessoas ou em algum processo de reunião, de encontros. Quando o vô faleceu,
não sei se eles tinham combinado, a vó surgiu de um jeito que não tínhamos
dimensão. Ela começou a participar das reuniões e de todos os encontros desse
processo de luta. Ela foi quem mais incentivou as mulheres. Participava de
todas as frentes de trabalho. Era a primeira a chegar e sempre exigia a pontualidade
do grupo. Ela fez parte de tudo isso, da realocação. Se não fosse ela, não
teríamos iniciado o grupo de mulheres. Foi pensando nela que criamos o grupo.
Pelo medo de que ela quisesse partir criamos algo para nos fixarmos na terra.

mv qual era
a relação dela com a terra que vocês escolheram para construir a nova enseada?
tc Quando a gente viu que não tinha mais saída,
quando caiu a ficha que não dava mais pra ficar, nos reunimos. Meu pai conhecia
bastante o território e tentava falar de alguns lugares. E ela falava “Não, vai ter que ser lá na Casa Preta”. Este
lugar era chamado de Casa Preta. Ela contou, a gente não sabia, que tinha
morado aqui há sessenta anos atrás. Na época ela apoiava os irmãos na pescaria.
Acho que a Maria, sua primeira filha, foi feita aqui nesse lugar, nessa terra.
Inclusive a escolha do local da casa nova da vó foi no mesmo local onde ela e
meu avô se encontravam. Ela falava de tudo o que tinha no lugar, um bambu, cada
árvore, cada ponto. Viemos ver o lugar, era muito baixo, difícil. A gente
voltava e ela dizia “É lá”. Fomos
incentivados por ela. Voltávamos tristes daqui e ela dizia “Vocês estão tristes porquê? Vocês estão
juntos, isso é o que importa. O que vocês aprenderam com a vida vocês estão
carregando com vocês”. As palavras, ela junto, foi o que construiu nossa luta e
resistência.
mv como se
dão esses ensinamentos como os da dona ercy, a oralidade, em uma comunidade
como a da enseada?
tc Hoje a gente consegue visualizar melhor.
Porque o processo foi de lutar, lutar, lutar, incansavelmente. A gente não
parou. Agora com as coisas prontas conseguimos olhar todo esse processo
ancestral da importância do lugar. Quando éramos crianças, o avô era vivo, esse
papel foi dele, cuidar da comunidade. Ele concentrou todas as energias dele,
nos resguardou de sofrer. Ele sofreu sozinho, ele lutou sozinho nessa história.
Hoje a gente acha que essa luta solitária dele foi para guardar as nossas
energias. O vô e a vó, desde sempre, lutaram pelo amor dos dois, porque eles
cresceram juntos, eram filhos de criação da mesma família. Não foi simples.
Eles tiveram que partir e depois voltaram e lutaram para ficar no lugar e
lutaram contra a especulação imobiliária. Depois ainda tiveram que se adaptar
às restrições de uma unidade de conservação. Papai nasceu em 61. O parque foi
decretado em 62. O que a gente vive hoje é a bagagem do que eles viveram. Nosso
papel nessa circunstância é lutar para manter o que ele, o vô, lutou tanto para
conseguir. Temos que seguir com esse ritmo para que as crianças tenham
condições de fazer as escolhas delas e levem esse lugar para frente. Se uma
geração nossa para de lutar, a gente corta... O território está sempre sofrendo
todos os tipos de pressões.


Vó,
Desculpa não aceitar sua partida,
Chorar tanto,
Te chamar tanto,
E não deixar a senhora descansar...
Mas era tanta sua força,
Que não dava pra acreditar.
Te esperava cheirosa,
Nos seus vestidos estampados,
Com a cerveja gelada,
Ou na marchinha que lembrava sua a mocidade.
Foi duro, Vó,
Duro pra caralho!
Mas hoje entendo que tava difícil,
Eram muitas partidas,
Seu coração tava cansado,
E de cima conseguia fazer mais.
Mas estamos aqui...
Passamos pela realocação,
Estamos passando pela pandemia,
Sabe, Vó, o conhecimento de vocês nos ajudou e ajudou muita gente.
Estamos com os amigos,
Aqueles que sempre estiveram com a gente,
Na sua terra escolhida,
Com a família junta, isso era uma preocupação da senhora.
Dia 02 de janeiro é seu dia, Vó,
Dia de festa, que está no calendário da Enseada,
(...)
Comemora aí com o Vô,
Com seu vestido estampado,
E o Vô sentado com sua bengala do lado,
E na batucada da mesa,
Ao som de samba.
Canta,
Reza,
Sorria,
Nos fortaleça,
Por tempos melhores.
Que a união continue,
E nossas vitórias,
Sejam motivo para continuar.
Desculpa não aceitar sua partida,
Chorar tanto,
Te chamar tanto,
E não deixar a senhora descansar...
Mas era tanta sua força,
Que não dava pra acreditar.
Te esperava cheirosa,
Nos seus vestidos estampados,
Com a cerveja gelada,
Ou na marchinha que lembrava sua a mocidade.
Foi duro, Vó,
Duro pra caralho!
Mas hoje entendo que tava difícil,
Eram muitas partidas,
Seu coração tava cansado,
E de cima conseguia fazer mais.
Mas estamos aqui...
Passamos pela realocação,
Estamos passando pela pandemia,
Sabe, Vó, o conhecimento de vocês nos ajudou e ajudou muita gente.
Estamos com os amigos,
Aqueles que sempre estiveram com a gente,
Na sua terra escolhida,
Com a família junta, isso era uma preocupação da senhora.
Dia 02 de janeiro é seu dia, Vó,
Dia de festa, que está no calendário da Enseada,
(...)
Comemora aí com o Vô,
Com seu vestido estampado,
E o Vô sentado com sua bengala do lado,
E na batucada da mesa,
Ao som de samba.
Canta,
Reza,
Sorria,
Nos fortaleça,
Por tempos melhores.
Que a união continue,
E nossas vitórias,
Sejam motivo para continuar.
mv com o
que você tem sonhado?
tc O cenário do meu sonho, de qualquer sonho, é
sempre a Antiga Enseada. Sonhei muito tempo com mar. Um sonho me marcou forte.
Sonhei que estava na Antiga Enseada, no campo de futebol antigo, do passado.
Era uma festa com muitas pessoas de fora. Eu estava no meio de um debate e
alguém me chamou. Eu ando, ando, ando até o espaço da casa de Débora e a casa
da vó e aí nisso surge uma mulher, uma índia gigante. Ela olha pra mim e chora
muito. É forte esse sonho. A vó aparecia e chorava muito também. Eu perguntava “Eles vão morrer?” A mensagem que eu sentia
era que os indígenas iam morrer. Ela só chorava. Acordei três, quatro da manhã.
Mandei mensagem pra todo mundo dizendo que precisávamos fazer alguma coisa. Eu
tenho essa ligação com o sonho muito forte. Vários processos da Nova Enseada o
sonho que mostrou. A criação de marisco, por exemplo. Estavam procurando uma
peça, uma meia que precisava para a produção de marisco. Já tínhamos desistido
porquê a gente não achava. Eu dormi e sonhei que Feliciano do Pontal tinha.
Contei para meu pai. Ele procurou Feliciano e ele tinha mesmo. Quando sonhei
com essa mulher indígena, demorei muito para tirar essa imagem da cabeça. Eu
nunca sonhei com a Nova Enseada. Eu nunca sonhei com outro lugar. É o mesmo
cenário, eu visito todos os cantos, vou ao meu quarto, na casa das pessoas, em
festa. Tudo na Antiga Enseada. Como se ela existisse. Com a realocação eu
comecei a perceber coisas que eram divinas. Era muito louco. Teve uma reunião
em que estávamos encurralados. Algo precisava ser feito. Saí da reunião e rezei
por todos aqueles que lutaram, pedi muito a sabedoria para falar o que precisa
ser dito. Voltei e parei a reunião. Falei “basta”, e passei a fala para a vó.
Ela falou lindamente e estimulou tia Cimara a falar também. Quando acabou a
reunião a vó falou “Vocês precisam falar
sem chorar. Chorar vocês choram depois. As pessoas precisam entender o que a
gente fala”. O processo todo da realocação foi assim. Se não tivesse alimento,
as pessoas voltavam. Tínhamos que buscar essa força. No meio disso eu fiquei
bem triste. Fui levar a Vivi no médico em Cananéia. Passou uma pessoa por mim
várias vezes na rua. No fim, ela voltou e falou “Mandaram te dizer que vai dar tudo certo”. As
coisas foram acontecendo e parece que não era somente a gente fazendo. As
pessoas certas chegavam na hora certa. As coisas aconteciam no momento que
tinham que acontecer.