SOMBRA E CÃO

Um cachorro sem dono me descobre
e me guia calado enquanto subo
a caminho das nuvens.
Numa curva do mato há um carro escuro,
escuso deve ser o casal que lá se esconde.
Ao longe, um sino toca. Eu piso em flores de quaresma
que o vento distribuiu pelo chão. Choveu. Piso no céu,
pisando em poças.
No meu afastamento progressivo
da comédia de erros da cidade,
não digo nada e nada espero depois
de cumprimentar o guia e a paisagem.
Apenas ando contornando problemas
eventuais como o do carro estacionado que pula
no açodamento de seus ocupantes. Não paro,
quando passo por eles, para olhar para trás.
Fico invisível como posso, inverossímil, cego.
Não me comove o mistério do automóvel
numa estrada na serra assim tão cedo.
Chegado à beira de um barranco fundo e vazio,
apenas ouço o tao do sino,
que me toca ao bater não sei por quem,
e o silêncio a que os dois, a sombra o cão, se dão também.