com Lucina
da fronteira, pelas estradas, lucina é uma artista nômade. nascida em cuiabá, perto de muitos rios, percorreu muitos caminhos, até chegar ao rio de janeiro. e foi neste rio que começou, pouco a pouco, a trabalhar com seu próprio canto.
presença ativa nos encontros musicais dos anos 1960, com o recrudescimento da ditadura civil-militar, depois de conhecer luhli e luiz fernando, abandonou a cidade para viver em mangaratiba, litoral carioca. assim, na década de 1970, perto da mata e do mar, longe dos circuitos das gravadoras, da moral, inventou discos e uma maneira de existir singular. “não compactuar com a loucura do poder é atitude política”, comentou em uma recente entrevista sobre este momento decisivo.
ao lado de luhli e luiz fernando, durante mais de vinte anos, liberou-se das gravadoras, antes mesmo da chamada musica independente; incorporou os tambores da umbanda aos palcos; afirmou um amor livre e em movimento.
desde o início dos 2000, lucina expande em carreira solo, o que no seu caso é estar junto de muita gente, de amizades, passando por plantas e bichos soltos até águas correntes. as canções de lucina estão disponíveis nas plataformas e nas redes, nas vozes de artistas parceiros como alzira e, ney matogrosso, e no belo documentário yorimatã feito por rafael saar ︎︎︎.
seu último registro, Canto de Árvore (2019), celebra o movimento, o canto que se desloca, o rio seguindo, sem parar.
presença ativa nos encontros musicais dos anos 1960, com o recrudescimento da ditadura civil-militar, depois de conhecer luhli e luiz fernando, abandonou a cidade para viver em mangaratiba, litoral carioca. assim, na década de 1970, perto da mata e do mar, longe dos circuitos das gravadoras, da moral, inventou discos e uma maneira de existir singular. “não compactuar com a loucura do poder é atitude política”, comentou em uma recente entrevista sobre este momento decisivo.
ao lado de luhli e luiz fernando, durante mais de vinte anos, liberou-se das gravadoras, antes mesmo da chamada musica independente; incorporou os tambores da umbanda aos palcos; afirmou um amor livre e em movimento.
desde o início dos 2000, lucina expande em carreira solo, o que no seu caso é estar junto de muita gente, de amizades, passando por plantas e bichos soltos até águas correntes. as canções de lucina estão disponíveis nas plataformas e nas redes, nas vozes de artistas parceiros como alzira e, ney matogrosso, e no belo documentário yorimatã feito por rafael saar ︎︎︎.
seu último registro, Canto de Árvore (2019), celebra o movimento, o canto que se desloca, o rio seguindo, sem parar.



PEDRA DE RIO
— Luhli, Lucina
sequei o meu pranto
enxuguei nesse sol
e nele um rio virei
pedra de rio
pedra de cais
pedra de casa e de pó
pedra de muro e de mó
pedra rolada de rio
beijo a testa
afago a morte encurvada
cansada de tanto tempo viver
e no meu rio
rio de pedra navego
meu barco voa sem vela
rio e navego sozinho
perdido rio
de você, ah meu rio
você é meu rio
e eu, pedra de rio
perdido rio
ah meu rio
beijo a testa
afago a morte encurvada
cansada de tanto tempo viver
e no meu rio
rio de pedra navego
meu barco voa sem vela
rio e navego sozinho
perdido rio
de você, ah meu rio
você é meu rio
eu, pedra de rio
perdido rio
de você, ah meu rio
você é meu rio
e eu, pedra de rio
perdido rio
ah meu rio
︎︎︎

mataviva canto de árvore é o nome do seu disco recente. na parceria com o poeta arrudA, a árvore é também a madeira de um barco. você tem raízes e é nômade, se desloca sempre. quais são os seus movimentos agora?
lucina Sinto fluxos internos oscilantes que geram um processo de criação e elaboração intensas. Esse movimento ganha sentido ao ser jogado no mundo. Acho que o atual desafio é achar um jeito de encontrar o outro sem sair da gente.

mv alguns cientistas têm chamado de www (wood wide web) a conversa entre as raízes das árvores por meio dos fungos. mas, antes da ciência, alguns artistas e poetas já sabiam dessa rede. a música pode ser uma possível conversa com as plantas?
l Sim, na medida em que é frequência. Todos os reinos (animal, vegetal, mineral, elemental) falam. Quando a gente se pensa um ser separado das outras formas de vida, paramos de ouvir.
mv como você descreveria as diversas maneiras de comunicação com estas outras formas de vida?
l Quando ouvimos, paramos, e é aí o lugar onde passamos a perceber esse mundo de fora e de dentro em simbiose. Tem uma música, um ponto pra Oxalá que fiz com Luli há bastante tempo que diz: “parei pra ver pedra crescer / parei pra ouvir pedra chorar / e ouvi no eco da montanha na voz do trovão a risada tamanha / como um brado de Oxalá”.

mv um poeta que gostamos, michael mcclure, fez leituras dos seus poemas para leões︎︎︎. você já cantou ou colocou algum disco para um bicho ouvir? ou em um jardim ou floresta para folhas e flores? ou para algum rio?
l Só não cantei para leões…


mv você vê semelhanças entre as relações que você estabelece com as amizades e as que você constrói com as águas, as plantas e as pedras com que você convive?
l Sim, com todas formas o processo de ouvir, de falar, de dar e receber, de regar, de perceber é o mesmo.
mv como se dá essa relação entre a mata e o seu trabalho como compositora?
l Morei muito tempo em sítio com uma mata vigorosa bem perto. A minha música cresceu dentro dessa sonosfera.
mv
o que você tem plantado?
l Planto ervas e sons.

GIRA DAS ERVAS
— Luhli, Lucina, Mario Avellar, Maria Maria
Aroeira aroeira
Artemísia arruda alecrim erva cidreira
Alfazema e manjericão
Erva-doce urucum e dente de leão
Aroeira aroeira
Dobradinha hortelã camomila e cambuí
Dormideira e buriti
Cana do brejo chá habu jurubeba e imbiri
E aroeira
Tamarindo e tatuiá
Sassafrás losna funcho alcaçuz e manacá
Louro e malva e jambolão
Juzaeiro jucá jatobá capim limão
E aroeira
Aroeira aroeira
Artemísia arruda alecrim erva cidreira
Alfazema e manjericão
Erva-doce urucum e dente de leão
Aroeira e manjerona
Umbaúba urtigão fedegoso e mamona
Vassourinho e jequibá
Girassol catuaba café e guaraná



l Minhas novas canções.
mv o que tem ouvido?
l Silêncios.


mv você, luhli e luiz fernando, no meio da ditadura, inventaram várias experiências de liberdade, resistindo à censura, ao mercado, à moral. quais são os frutos desse caminho para os artistas de hoje?
l A gente simplesmente seguiu a nossa verdade. O panorama atual é praticamente um beco com saída pra quem tem coragem de experimentar.
CANTO DE ÁRVORE
— arrudA, Lucinarange meu barco
um canto de árvore
e da noite infinita
acolho todas as duvidas
me guiam estrelas
que os homem dizem mortas
e aos olhos sem cais ressuscitam
range meu barco
um canto de árvore
sou de sal e madeira e da noite infinita
acolho as manhãs
o amor
e as tempestades
range meu barco
um canto de árvore ︎︎︎

